Gonet pede arquivamento de caso de vacinas: crise institucional à vista?

Gonet pede arquivamento de caso de vacinas: crise institucional à vista?
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, solicitou ao STF o arquivamento da investigação contra Jair Bolsonaro por suposta falsificação de certificados de vacinação contra Covid-19. O pedido, feito nesta quinta-feira (27), alega "insuficiência de provas" para responsabilizar o ex-presidente, mesmo com 16 indiciados – incluindo o ex-auxiliar Mauro Cid, que colaborou com a PF após delação premiada. A decisão chega um dia após Bolsonaro se tornar réu no caso do suposto golpe eleitoral, acendendo debates sobre a coerência das instituições.

Justificativa controversa: lacunas ou fragilidade probatória?
Gonet argumentou que não há elementos para vincular Bolsonaro diretamente à inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde. Entretanto, a PF já identificou 1.200 páginas de mensagens trocadas entre investigados, incluindo ordens para adulterar registros. Especialistas apontam que o arquivamento pode criar precedente perigoso: dos 27 casos de falsificação de documentos públicos julgados em 2023, 92% resultaram em condenações, segundo o CNJ.

Colaboração premiada sob suspeita: o papel-chave de Mauro Cid
Mauro Cid, pivô da investigação, ficou quatro meses presos e entregou 100 horas de depoimentos, mas sua delação não mencionou ordens diretas de Bolsonaro. Para juristas, a falha na coleta de provas tangíveis expõe fragilidades na operação, que durou 14 meses e mobilizou 50 agentes. Enquanto isso, o deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ), também indiciado, mantém foro privilegiado e segue no cargo – cenário que alimenta críticas sobre impunidade de elites.

Cronologia suspeita: arquivamento x avanço de outros processos
O pedido de Gonet ocorre 24 horas após o STF aceitar a denúncia contra Bolsonaro no caso do "golpe digital", que investiga tentativas de anular as eleições de 2022. Para analistas políticos, a coincidência temporal pode intensificar a polarização: 58% dos brasileiros desconfiam do Judiciário, segundo o DataSenado de março. O ex-presidente enfrenta outros 8 inquéritos no STF, incluindo o caso das joias sauditas.

Impacto na saúde pública: um risco além da política
Arquivar o caso das vacinas falsas pode minar campanhas de imunização futuras. Em 2023, o Brasil registrou a menor cobertura vacinal da década (64%), segundo o Ministério da Saúde. O próprio Bolsonaro, que declarou publicamente não ter se vacinado, é visto por 37% dos negacionistas como "referência" contra imunizantes, de acordo com a Fiocruz. Para vítimas da Covid-19 – doença que matou 700 mil no país –, a decisão soa como afronta.

O impasse judicial coloca em xeque não só a apuração de crimes, mas a capacidade do Estado de frear narrativas anticiência. Enquanto o STF analisa o pedido, o caso tornou-se um termômetro da democracia: até que ponto a lei vale para todos? A resposta definirá rumos num país ainda em recuperação de crises sanitárias e políticas.