Publicado em: 16/05/2025
Habib's indeniza cliente após denúncia de racismo envolvendo acusação infundada de roubo
A rede de lanchonetes Habib’s fechou um acordo judicial para indenizar o cantor e artista Abrahão Costa, após ele denunciar ter sido vítima de racismo em uma das unidades da rede, localizada na zona oeste de São Paulo, em setembro de 2024. O caso, que ganhou repercussão nas redes sociais e na imprensa, envolveu uma grave acusação feita por uma funcionária do estabelecimento, que associou o jovem ao crime de roubo ao dizer que ele “tinha o 157 nas costas” — referência direta ao artigo do Código Penal que trata do crime.
Acordo e valores definidos na esfera cível
O acordo firmado na esfera cível prevê o pagamento de R$ 22 mil a Abrahão: R$ 20 mil por danos morais e custos processuais, além de R$ 2 mil referentes a honorários advocatícios. O montante será quitado em três parcelas, sendo a última com vencimento até 9 de junho de 2025. A empresa não informou se a funcionária foi desligada definitivamente ou apenas afastada.
Apesar do acerto financeiro, o caso ainda levanta discussões sobre os limites da confidencialidade. Um dos termos do acordo determina que nenhuma das partes poderá divulgar informações sobre a negociação ou repercutir o caso publicamente, nem por meio de vídeos ou redes sociais. Em caso de descumprimento, a parte infratora deverá pagar multa de R$ 10 mil e remover qualquer conteúdo divulgado em até 48 horas.
Silêncio imposto e sentimento de frustração
Interlocutores próximos a Abrahão afirmam que ele se sentiu silenciado pela cláusula de confidencialidade, especialmente por não poder responder às perguntas que recebe com frequência de seguidores e conhecidos, tanto pessoalmente quanto online. Além disso, ele relata que sua imagem pública foi afetada, já que ao pesquisar seu nome na internet, o caso de racismo aparece associado a ele, dificultando sua carreira artística.
“Reparação não pode vir com mordaça”, dizem especialistas
Cláusulas de sigilo são comuns em acordos judiciais, mas a aplicação delas em casos de racismo tem gerado críticas. O advogado Kevin de Sousa, do escritório Sousa & Rosa Advogados, destaca que, embora legal, o silêncio imposto nesse tipo de situação pode se chocar com o direito à liberdade de expressão e ao interesse público.
“Do ponto de vista social, esse tipo de acordo revela uma tensão entre a reparação privada e o silenciamento público. Quando a vítima é impedida de continuar se manifestando sobre uma violência racial, perde-se uma oportunidade de ampliar a consciência coletiva sobre o problema”, pontuou. Para ele, a tentativa de apagar a memória de episódios discriminatórios é contraproducente e pode alimentar a sensação de impunidade.
Esfera criminal ainda pode ter desdobramentos
No campo criminal, o Ministério Público de São Paulo decidiu pelo arquivamento da denúncia apresentada por Abrahão. Segundo o Gecradi (Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância), a conduta da funcionária Maria Ines Santos não configuraria, sob a ótica do órgão, um ato de discriminação de raça ou supressão de grupos vulneráveis.
Ainda assim, o MP reconheceu que o episódio poderia se enquadrar nos crimes de calúnia, difamação ou injúria — todos previstos no artigo 145 do Código Penal — cuja responsabilização depende de queixa-crime apresentada pela vítima em até seis meses. A defesa de Abrahão estuda seguir esse caminho, reafirmando que o caso representa, sim, um episódio de discriminação racial.
Versões conflitantes e atuação policial contestada
Em depoimento prestado à polícia em março de 2025, Maria Ines afirmou não se lembrar de ter usado a expressão “157 nas costas” e alegou ter se sentido ofendida e coagida pelos clientes, acionando a Polícia Militar. Ela também declarou que atuava como freelancer na unidade naquele momento. A defesa de Abrahão nega qualquer coação por parte do cantor ou seus amigos.
Outro ponto sensível do caso envolve a resposta das autoridades no dia da ocorrência. Abrahão afirmou ter enfrentado dificuldade para registrar o boletim: policiais de uma base próxima se recusaram a atender o caso sob a justificativa de que o local não estava sob sua jurisdição. Um dos PMs que compareceu ao restaurante chegou a afirmar que a fala da funcionária não era racista, mesmo após assistir ao vídeo gravado no momento da acusação. A equipe se recusou a levar a funcionária à delegacia, segundo a vítima. Abrahão teve que registrar o caso por meio de um boletim eletrônico.
A defesa do artista informou que apresentou uma queixa à Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, criticando a atuação dos agentes. A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) foi procurada e, até o momento, não se pronunciou oficialmente.
Entenda o caso
O episódio ocorreu quando Abrahão e seus amigos foram até a unidade do Habib’s na rua Cerro Corá. Eles encontraram uma esfirra estragada e, ao informarem a atendente, foram surpreendidos com a cobrança de uma "taxa de desperdício" por não consumirem todos os produtos. A prática é ilegal, conforme o Código de Defesa do Consumidor. O amigo de Abrahão, Glay Nunes — que é branco — também contestou a cobrança. Foi nesse momento que a funcionária disparou a fala: “Você tem 157 nas costas, né?”, direcionada exclusivamente a Abrahão, que é negro.
O caso rapidamente repercutiu nas redes e mobilizou a opinião pública, reacendendo o debate sobre racismo estrutural, discriminação em ambientes comerciais e a dificuldade de acesso à justiça por parte das vítimas. Ainda que uma indenização tenha sido concedida, o desfecho deixa uma pergunta no ar: justiça foi feita, ou apenas silenciada?