Publicado em: 18/05/2025
Com ares de apoteose e tensão, a primeira missa de Leão 14 como papa neste domingo (18) marca não apenas o início de um novo pontificado, mas o começo de uma travessia turbulenta para a Igreja. Dez dias após ser eleito, o novo pontífice celebra a missa solene de entronização na Praça São Pedro, diante de um público estimado em 250 mil fiéis e representantes de 144 países e organismos internacionais. O cenário, comparável ao funeral de seu antecessor Francisco, revela a magnitude do momento — e o peso das crises herdadas.
Duas delegações ganharão destaque nos assentos de honra: Estados Unidos e Peru, nação natal e país de origem do papa, respectivamente. O Peru será representado pela presidente Dina Boluarte. Os EUA enviaram o vice-presidente J.D. Vance e o secretário de Estado Marco Rubio. A presença americana paralisou o centro de Roma, com uma comitiva de 15 veículos e segurança reforçada. A imprensa local especula sobre um encontro reservado entre Vance e o papa, ainda não confirmado.
Outro nome emblemático entre os presentes é o presidente ucraniano Volodimir Zelenski, que também participou do funeral de Francisco. O Brasil será representado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin.
A homilia de Leão 14 será lida como bússola de intenções: um discurso capaz de sinalizar rumos, definir prioridades e revelar o tom do novo pontificado. Diante de uma Igreja fraturada e pressionada, espera-se dele equilíbrio entre continuidade e mudança — sem ceder nem ao imobilismo nem ao populismo teológico.
O catolicismo ainda contabiliza 1,4 bilhão de fiéis no mundo, mas o crescimento se dá de forma assimétrica e preocupante. Em 2023, a África cresceu 3,3%, enquanto a Europa patinou com 0,2%. A Alemanha, epicentro da crise, viu 320 mil fiéis abandonarem a Igreja em 2024 — uma debandada sem precedentes.
No campo vocacional, os números são ainda mais sombrios. Em 2023, o número global de padres caiu em 734 (-0,2%), com quedas concentradas na Europa e nas Américas. Os seminaristas recuaram 1,8%, e o número de religiosas professas caiu 1,6%. Os dados escancaram um desgaste estrutural profundo, pedindo respostas imediatas.
O legado de Francisco deixou divisões expostas: da bênção a casais homoafetivos ao modelo de governança centralizado. Nos EUA, setores conservadores alertam para um risco real de cisma após o Sínodo de 2024. Leão 14 — primeiro papa americano — herda uma Igreja em tensão e precisará mediar conflitos com habilidade cirúrgica.
A relação com os Estados Unidos será uma trilha delicada. Francisco chegou a chamar de “desgraça” a política migratória do governo Trump, e Leão 14, antes da eleição, criticou abertamente o atual vice-presidente J.D. Vance por posturas consideradas antirreligiosas. Agora, com o mundo de olho, o papa precisará administrar expectativas e neutralizar visões ideológicas extremas — sem se deixar capturar politicamente.
O novo pontífice declarou a paz como prioridade. Mas o terreno é minado. Francisco foi duramente criticado por ambiguidade diante da guerra na Ucrânia e por classificar a ofensiva em Gaza como “genocídio”, irritando Israel. Leão 14 enfrentará a difícil tarefa de reposicionar o Vaticano como voz moral, sem perder relevância geopolítica.
O controverso acordo de 2018 com Pequim sobre nomeações episcopais gerou alívio diplomático, mas também resistência interna. Críticos consideram o pacto uma concessão excessiva ao regime comunista. Leão 14 terá de gerenciar essa tensão — mantendo o diálogo, sem abrir mão da autonomia da Igreja.
Apesar de cortes promovidos por Francisco, o Vaticano segue com finanças frágeis. Em 2023, a Cúria registrou um déficit operacional de €83 milhões (R$ 524 milhões). O rombo na Previdência chegou a €600 milhões (R$ 3,7 bilhões). A reforma administrativa iniciada pelo antecessor enfrenta resistências internas, e Leão 14 terá de insistir onde muitos já desistiram.
Durante o pontificado anterior, avanços significativos ocorreram na inclusão de divorciados, casais homoafetivos e mulheres em cargos de liderança. Mas setores progressistas querem mais — como o diaconato feminino. Leão 14 será cobrado a continuar esse caminho, sem alienar a ala conservadora da Igreja.
O escândalo dos abusos sexuais continua sendo a maior chaga moral da Igreja. Francisco adotou uma política de tolerância zero, mas casos recentes revelam lacunas gritantes na aplicação. Nos EUA, onde vítimas e doadores mantêm vigilância constante, Leão 14 não terá margem de erro. Sua resposta pode definir — ou arruinar — seu legado.
O papado de Leão 14 começa sob o peso de expectativas históricas e desafios sistêmicos. A missa de hoje é apenas a porta de entrada para um ciclo que pode — e talvez precise — redesenhar profundamente os rumos da Igreja Católica no século XXI. Entre fé e política, tradição e ruptura, o novo papa pisa o altar com o mundo inteiro como plateia — e nenhum espaço para hesitação.