Brasil e Venezuela: Uma Aliança Agrícola sob o Sinal de Interrogações Geopolíticas - Pagenews

Brasil e Venezuela: Uma Aliança Agrícola sob o Sinal de Interrogações Geopolíticas

Publicado em: 17/03/2025

Brasil e Venezuela: Uma Aliança Agrícola sob o Sinal de Interrogações Geopolíticas
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Brasil e Venezuela: Uma Aliança Agrícola sob o Sinal de Interrogações Geopolíticas


Na quarta-feira, 12 de março de 2024, Brasil e Venezuela deram um passo que reacende debates sobre os rumos da política externa sul-americana: a assinatura de um memorando de entendimento para cooperação agrícola, firmado entre o governo Lula e o regime de Nicolás Maduro. O acordo, que inclui iniciativas como desenvolvimento de produção familiar, combate a pragas agrícolas e projetos binacionais na Amazônia, ocorre em um momento delicado. Enquanto o Brasil busca reposicionar-se globalmente como mediador de conflitos, a aproximação com um regime acusado de violações sistemáticas de direitos humanos e fraude eleitoral gara críticas internas e externas.


A relação entre Lula e Maduro é um quebra-cabeça geopolítico. Desde 2023, quando Maduro foi recebido com honras no Planalto, o petista defendeu a “reabilitação democrática” do chavismo, mesmo diante de relatórios da ONU que apontam 9.000 execuções extrajudiciais na Venezuela entre 2018 e 2023. Em junho do ano passado, a declaração de Lula de que “a Venezuela tem mais eleições que o Brasil” gerou protestos até entre aliados, reflexo de uma rejeição de 72% dos brasileiros a Maduro, segundo pesquisa Datafolha de 2024.


O memorando ganhou contornos polêmicos após Maduro anunciar, um dia após a assinatura, a cessão de 180 mil hectares ao MST – área equivalente a 250 mil campos de futebol. O Itamaraty nega ligação entre os fatos, mas o timing alimentou suspeitas. “É um presente geopolítico perigoso: o MST, historicamente alinhado ao PT, operando em terras venezuelanas expropriadas durante o chavismo”, analisa Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV. A medida ocorre em meio a denúncias de grilagem e desmatamento ilegal na fronteira amazônica, que cresceu 34% em 2023, segundo o Imazon.


O acordo prevê cooperação em cultivos estratégicos como soja, milho e cana-de-açúcar, setores nos quais o Brasil é potência global. A Venezuela, porém, enfrenta uma crise alimentar histórica: 74% da população vive em insegurança alimentar, de acordo com a FAO. Para especialistas, o memorando pode ser uma tentativa de Maduro aliviar pressões internas, usando expertise brasileira para reativar setores agrícolas em colapso após anos de hiperinflação (1.300% em 2023, segundo o FMI).


Apesar das promessas, o histórico de tensões pesa. Em 2023, após Maduro questionar sem provas a lisura das eleições brasileiras, o TSE reagiu com veemência, destacando que 100% das urnas são auditáveis. Lula, porém, optou pela diplomacia: mesmo sem reconhecer a vitória do chavista nas eleições venezuelanas – marcadas por exclusão de opositores e cerceamento à imprensa –, enviou representantes à posse de Maduro em janeiro de 2024.


O que está em jogo? Para o Brasil, o acordo pode abrir mercados e fortalecer a integração regional, mas ao custo de associar-se a um regime isolado. Já a Venezuela busca oxigenar uma economia asfixiada por sanções – os EUA mantêm embargos a 68 empresas venezuelanas desde 2019. O Itamaraty ressalta que o memorando é “uma declaração de intenções”, sem efeito jurídico imediato. Ainda assim, o Congresso Nacional já sinaliza cobranças: líderes da oposição prometem convocar o chanceler Mauro Vieira para explicar os detalhes do pacto.


Enquanto isso, a fronteira amazônica – foco do programa binacional – permanece um desafio. Dados do Inpe revelam que 23% do desmatamento ilegal na região ocorrem em áreas transfronteiriças, muitas controladas por grupos armados. Cooperar com um governo frágil na segurança territorial é, no mínimo, arriscado.


Em um cenário global polarizado, onde até a União Europeia revisa sua postura contra o chavismo, Lula parece apostar na estratégia do diálogo a qualquer custo. Resta saber se o preço político – e geopolítico – não será alto demais.

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