Publicado em: 18/05/2025
A fronteira entre a vida e a arte acaba de ser cruzada de uma maneira fascinante e um tanto quanto bizarra no mundo da música experimental. O compositor vanguardista Alvin Lucier, que nos deixou em 2021, aos 90 anos, devido a complicações de uma queda, está, de certa forma, retornando aos palcos de uma maneira completamente inédita: através de um organoide cerebral cultivado a partir de suas próprias células sanguíneas.
Este projeto inovador, que parece saído de um roteiro de ficção científica, é uma colaboração entre o artista Guy Ben-Ary, os pesquisadores Matt Gingold e Nathan Thompson, e o neurocientista Stuart Hodgetts. Lucier acompanhou o desenvolvimento da ideia por meio de encontros virtuais quinzenais via Zoom até seu falecimento, mostrando seu entusiasmo e espírito vanguardista até o fim.
Ressonâncias Póstumas: O Cérebro Artificial em Ação
O processo para trazer essa "ressurreição" cerebral à vida envolveu técnicas avançadas de neurociência. As células brancas do sangue de Lucier foram reprogramadas em células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs), que, por sua vez, foram transformadas em estruturas celulares tridimensionais que mimetizam a atividade cerebral – os chamados organoides cerebrais ou "mini-cérebros".
Esses organoides, mantidos vivos em laboratório, emitem impulsos elétricos espontâneos. Esses dados elétricos são então capturados, convertidos em sinais de áudio e enviados de volta para o próprio organoide, criando um feedback loop sonoro único e em constante evolução. A galeria onde a instalação está em exibição descreve os sons gerados como "ressonâncias complexas e sustentadas que preenchem o espaço".
Um Legado Sonoro que Ultrapassa a Morte?
O artista Guy Ben-Ary expressou seu fascínio pela possibilidade de o organoide mudar e aprender com o tempo, levantando questões profundas sobre a natureza da criatividade e da consciência. A filha de Alvin Lucier, Amanda, ao ser informada sobre o projeto, teve uma reação que parece resumir a essência do compositor: ela riu, achando que a ideia era "a cara do pai". Como se, pouco antes de partir, Lucier tivesse encontrado uma maneira de continuar sua jornada musical para sempre.
Ética e Arte se Encontram no Laboratório Sonoro
Além do inegável fascínio científico e artístico, o projeto também convida o público a refletir sobre questões éticas cruciais. Poderia a criatividade existir fora do corpo humano? Seria ético permitir tal "ressurreição" artística? Essas são algumas das perguntas que os criadores da instalação esperam suscitar, promovendo um diálogo entre arte, ciência e os limites da vida e da morte.
A exposição, que está aberta ao público na Art Gallery of Western Australia até o início de agosto de 2025, oferece uma oportunidade única de testemunhar essa inusitada colaboração póstuma entre um músico visionário e a mais recente tecnologia da neurociência. Um lembrete de que, talvez, a arte e a curiosidade humana realmente não conheçam fronteiras, nem mesmo as da própria existência.