Publicado em: 26/12/2025
O cenário no bairro Jacarecanga, em Fortaleza, é de pós-guerra. Dois dias após o incêndio de grandes proporções que atingiu a tradicional "Sucata do Chico Alves" na véspera de Natal (24), o fogo foi controlado, mas o martírio dos moradores está longe do fim. Quatro pessoas ficaram feridas e dezenas de famílias agora enfrentam uma realidade desoladora: casas sem teto, sem luz e sem a dignidade básica de um lar.
Para quem vive no entorno, o susto da evacuação durante a madrugada foi apenas o primeiro capítulo de um trauma que se recusa a passar.
Maria Lucineide, cuja casa divide muro com o estabelecimento atingido, é o rosto do desespero. Para ela, a estrutura do imóvel foi comprometida de tal forma que o conceito de "teto" tornou-se figurativo. As chamas derreteram tubulações e inutilizaram a rede elétrica, deixando-a em um isolamento forçado dentro da própria casa.
"A sensação é de que a nossa vida parou naquela madrugada. Não conseguimos cozinhar, não temos água para o básico e o medo de um desabamento não nos deixa fechar os olhos. Estamos contando com a caridade de quem vem de longe, porque quem mora aqui perto perdeu tanto quanto eu", lamenta a moradora.
O impacto econômico também é severo. Simone Nunes, que mantém um comércio na região, viu o sustento da família ser ameaçado pelas chamas. A agonia de retirar as mercadorias às pressas deu lugar à incerteza da reabertura. O estabelecimento, que deveria estar lucrando nas festas de fim de ano, segue de portas fechadas, aguardando laudos técnicos.
"A gente tenta organizar as prateleiras, tenta limpar o rastro do fogo, mas sem energia e sem o aval da Defesa Civil, não temos como atender ninguém. É um prejuízo que a gente ainda não teve coragem de somar", desabafa Simone.
O retorno à normalidade depende agora de uma engrenagem burocrática lenta:
Enel Ceará: Informou que o desligamento da rede foi uma medida de segurança necessária durante o combate ao fogo. A empresa aguarda a liberação total do Corpo de Bombeiros para reconstruir a rede elétrica local e religar a energia dos clientes afetados.
Cagece: Afirmou que o fornecimento de água já foi estabilizado na região, embora moradores relatem que danos internos nos encanamentos das casas — causados pelo calor extremo — ainda impedem que a água chegue às torneiras.
Defesa Civil: Segue monitorando os riscos estruturais nos imóveis vizinhos antes de autorizar o retorno definitivo de todas as famílias.
Enquanto os laudos não chegam, os moradores da Jacarecanga seguem em vigília, esperando que o Natal de 2025 não seja lembrado apenas pela destruição, mas pelo dia em que a justiça e a reconstrução finalmente bateram à porta.