Publicado em: 28/03/2025
“O Último Duelo”: Um espelho medieval para as desigualdades do presente
Dirigido por Ridley Scott, o épico estrelado por Matt Damon, Adam Driver e Ben Affleck não é apenas um filme sobre honra e traição na França do século 14. É uma análise incisiva de como sistemas de poder perpetuam violências estruturais, ecoando debates contemporâneos sobre justiça de gênero e manipulação da verdade. Com um orçamento de US$ 100 milhões e críticas destacando sua relevância, o longa desafia romantizações históricas para expor a podridão moral de uma sociedade que silencia vozes femininas.
Rashomon feudal: a batalha das narrativas
O roteiro, escrito por Nicole Holofcener, Damon e Affleck, fragmenta a história em três perspectivas, inspirado em “Rashomon”. Enquanto Jean de Carrouges (Damon) e Jacques Le Gris (Driver) constroem versões autocomplacentes, Marguerite (Jodie Comer) desvela a verdade crua: o estupro que sofre não é um “debate”, mas uma violência respaldada por instituições misóginas. A escolha narrativa reflete a luta atual por representação — segundo a ONU, 1 em cada 3 mulheres no mundo sofre violência física ou sexual, muitas vezes minimizada por narrativas dominantes.
A brutalidade como espetáculo: um alerta atemporal
Ridley Scott recusa-se a embelezar a Idade Média. Cenas de batalhas são filmadas com crueza, destacando o sadismo de plateias que tratam a dor alheia como entretenimento. A sequência do duelo final, com 6 minutos de coreografia intensa, não glorifica a justiça, mas expõe um sistema que reduz mulheres a objetos de validação masculina. A risada de uma jovem na arquibancada, quase imperceptível, simboliza a cumplicidade social com a opressão — um paralelo perturbador para tempos onde discursos de ódio ainda viralizam como entretenimento.
Mais que um drama histórico, “O Último Duelo” é um convite à reflexão sobre quem detém o direito de narrar a verdade. Em uma era de polarizações e revisionismos, o filme lembra que a justiça só existe quando as vozes marginalizadas são ouvidas — e que a violência sistêmica nunca é um problema do passado.