Publicado em: 12/05/2025
Fortaleza, Ceará - Uma brisa de esperança no tratamento da depressão chega com um estudo que explora um sentido muitas vezes esquecido: o olfato. Pesquisadores descobriram que aromas familiares podem ser a "chave mestra" para destravar memórias autobiográficas específicas, aquelas lembranças vívidas de momentos únicos da vida, que parecem sumir na névoa da depressão.
Para quem convive com a depressão, recordar um simples jantar com amigos ou a visita àquela cafeteria acolhedora pode ser um desafio árduo. A mente parece criar um bloqueio, deixando apenas uma vaga sensação do passado, sem os detalhes que trazem à tona as emoções e a riqueza da experiência. Mas a ciência pode ter encontrado um caminho inusitado para romper essa barreira: o poder dos cheiros.
Um estudo publicado no periódico JAMA Network Open mergulhou nesse universo olfativo, envolvendo 32 adultos diagnosticados com transtorno depressivo maior. A equipe de pesquisa utilizou aromas do cotidiano, como a intensidade da borra de café, a doçura cítrica da laranja e o frescor mentolado do Vicks VapoRub, como estímulos para reacender memórias específicas nos participantes. A ideia era simples, mas engenhosa: ao sentir o aroma do café, a mente poderia viajar para aquela tarde ensolarada no café preferido, dividindo um cappuccino com um amigo querido, em vez de apenas evocar a imagem genérica do local.
Estudos anteriores já haviam tentado estimular a memória em pessoas com depressão, mas utilizando palavras e imagens como pistas. A grande sacada desta nova pesquisa foi alternar entre aromas e palavras, buscando identificar qual tipo de gatilho seria mais eficaz em despertar as lembranças autobiográficas. E a resposta surpreendeu: os participantes conseguiam se lembrar de memórias muito mais detalhadas e específicas quando o estímulo era um cheiro.
"Foi surpreendente para mim que ninguém tivesse pensado em analisar a recordação de memórias em indivíduos deprimidos usando sinais olfativos antes", declarou Kymberly Young, professora associada de psiquiatria na Universidade de Pittsburgh e autora sênior do estudo. Ela ressalta que os aromas são conhecidos por desencadear memórias fortes, carregadas de emoção, de uma maneira singular que outros estímulos nem sempre conseguem alcançar.
E a neurociência explica o porquê dessa conexão poderosa. Michael Leon, professor emérito de neurobiologia e comportamento da Universidade da Califórnia, em Irvine, que não participou da pesquisa, esclarece: "O sistema olfativo é o único sistema sensorial que tem acesso direto e por autoestrada aos centros de memória e aos centros emocionais do cérebro. Todos os outros sentidos precisam pegar atalhos para chegar lá." Essa via expressa entre o nariz e o "arquivo" de lembranças e emoções pode ser a chave para reconectar os centros afetados pela depressão.
A teoria por trás dessa "terapia olfativa" é promissora: ao reacender memórias específicas e carregadas de emoção, é possível fortalecer a capacidade de resolução de problemas, a regulação emocional e outras funções cognitivas que frequentemente são afetadas pela depressão. "Se melhorarmos a memória, podemos melhorar a resolução de problemas, a regulação emocional e outros problemas funcionais que indivíduos deprimidos frequentemente vivenciam", finaliza Young.
Embora este seja um estudo pequeno, ele abre uma nova e fascinante avenida na busca por tratamentos mais eficazes para a depressão. Quem sabe, em breve, o simples aroma de um bolo recém-assado ou do perfume da pessoa amada possa se tornar uma ferramenta terapêutica poderosa para resgatar as lembranças perdidas e reacender a alegria de viver.