Publicado em: 16/03/2025
Fortaleza lidera em pequenos comércios de alimentos, mas resistência de mercadinhos enfrenta pressão econômica e desigualdade
Fortaleza é a terceira capital brasileira em número de estabelecimentos de varejo de alimentos, com 7.227 comércios — atrás apenas de São Paulo (22.213) e Rio de Janeiro (8.804), segundo dados do Sebrae (2024). Desse total, 6.649 são minimercados, mercearias e armazéns, que dominam bairros periféricos e reforçam tradições locais. No entanto, essa força esconde desafios: 21% dos pequenos comércios cearenses fecharam as portas entre 2022 e 2023, pressionados por custos operacionais e concorrência de redes médias (IBGE).
Christian Avesque, especialista em varejo da Faculdade CDL, explica que as mercearias prosperam graças a estratégias como o crédito ("fiado") — usado por 58% das famílias de baixa renda no Ceará (Dieese, 2023) — e à proximidade com o cliente. Um exemplo é a rede Nidobox, nascida na periferia (Granja Lisboa), que faturou R$ 220 mil em 2023. Mas essa adaptação tem um custo: 37% dos pequenos comerciantes relatam inadimplência acima de 30% (Sebrae), e 63% não têm acesso a linhas de crédito formais para capital de giro (Banco Central, 2024).
Enquanto isso, redes atacarejas como Assaí e Atacadão avançam sobre territórios antes dominados por mercadinhos, atraindo até 44% dos consumidores de baixa renda no Nordeste com preços agressivos (NielsenIQ). "A dona de casa compra o básico no atacado no início do mês e repõe itens avulsos na mercearia. Mas, com a inflação de 6,3% nos alimentos em 2024 (IPCA), até esse hábito está ameaçado", alerta Avesque.
A predominância de pequenos comércios reflete a realidade socioeconômica local:
42% da população de Fortaleza vive com até R$ 1.200/mês (IPECE), dependendo de compras fracionadas.
Bairros como Jangurussu e Conjunto Ceará concentram 70% das mercearias, mas têm Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo de 0,700.
Para Avesque, o modelo é "vital, porém frágil". Apesar de 83% dos cearenses valorizarem o comércio de bairro (Pesquisa CDL/Fortaleza, 2023), a falta de políticas públicas para microempresas — somada à carga tributária de 40% sobre mercadorias — ameaça sua sustentabilidade.
Enquanto redes como a Nidobox mostram que é possível crescer comunitariamente, especialistas defendem medidas urgentes:
Redução de impostos para comércios com faturamento abaixo de R$ 300 mil/ano (hoje, apenas 12% se enquadram no Simples Nacional).
Programas de renegociação de dívidas, já que 28% das mercearias têm pendências fiscais (Receita Estadual).
A resistência das mercearias cearenses é um retrato de resiliência, mas também um alerta: em um estado onde 1,2 milhão de pessoas vivem em insegurança alimentar (Rede PENSSAN, 2023), perder esses estabelecimentos seria mais que um risco econômico — seria uma ruptura cultural.