Publicado em: 31/03/2025
Inflação global pós-pandemia: por que os preços resistem a cair após cinco anos?
Cinco anos após o início da pandemia, a inflação persiste em patamares elevados no Brasil e no mundo, desafiando políticas monetárias e aprofundando desigualdades. Dados do FMI (2024) revelam que 72% das economias globais ainda registram inflação acima das metas estabelecidas, com alimentos e energia liderando pressões. No Brasil, o IPCA acumulado em 12 meses atingiu 4,1% em maio de 2024, acima da meta de 3%, enquanto nos EUA, a taxa anual permanece em 3,4%, distante do objetivo de 2%.
A herança da pandemia: desequilíbrios estruturais e inércia
A explosão fiscal durante a covid-19, somada a gargalos nas cadeias globais, criou uma crise de oferta que persiste. Joseph Gagnon, economista do Peterson Institute, destaca que a alta inicial em alimentos e energia contaminou salários e serviços, gerando um ciclo vicioso. "Reduzir a inflação de 9% para 3% foi rápido, mas o último trecho é o mais difícil", afirma. No Brasil, a inflação alimentar acumula alta de 8,2% nos últimos 12 meses, o dobro da média nacional, pressionada por eventos climáticos e custos logísticos.
Juros altos e o dilema dos bancos centrais
Para conter a escalada, os juros básicos permanecem elevados: nos EUA, a taxa está entre 4,25% e 4,5%, enquanto no Brasil, o Selic subiu para 14,25% em março de 2024, nível comparável à crise de 2016. Zeina Latif, economista da Gibraltar Consulting, alerta: "A política monetária sozinha não resolve. É preciso ajuste fiscal, mas governos estão endividados". A dívida pública global saltou de 84% para 99% do PIB mundial desde 2019, limitando margem para manobras.
Crise fiscal: o calcanhar de Aquiles global
A falta de disciplina fiscal amplificou o problema. Nos EUA, o déficit orçamentário atingiu 6% do PIB em 2023, nível crítico para uma economia em pleno emprego. No Brasil, os gastos pandêmicos ultrapassaram 8% do PIB em 2020, agravando a trajetória da dívida pública, hoje em 75% do PIB. "Países que abusaram de estímulos sem contrapartidas agora enfrentam inflação crônica", analisa Latif. A Europa, que parecia controlada, viu sua inflação subir para 2,6% em 2024 após aumento de gastos com defesa e energia.
Trump, tarifas e a ameaça de um novo choque
A elevação de tarifas comerciais pelo governo Trump reintroduziu riscos globais. Economistas estimam que os novos impostos sobre importações podem elevar a inflação americana em 0,8 ponto percentual até 2025. Gesner Oliveira, da FGV, ressalta: "Uma guerra comercial generalizada inviabilizaria o controle de preços". Nos EUA, a probabilidade de recessão saltou de 15% para 30% em três meses, segundo o Wall Street Journal, refletindo incertezas que paralisam investimentos.
O novo normal: um mundo mais caro e desigual
A transição verde e a reconfiguração geopolítica pressionam custos. A descarbonização, embora urgente, ainda depende de tecnologias com preços voláteis, como baterias e hidrogênio. Paralelamente, o relatório Oxfam 2024 aponta que os 10% mais ricos do planeta concentram 76% da riqueza gerada pós-pandemia, enquanto a classe média enfrenta perda real de renda. "Salários não acompanham a inflação há cinco anos. Isso é socialmente explosivo", adverte Gagnon.
Perspectivas: quando voltaremos ao "normal"?
A normalização pré-2020 parece distante. Projeções do Banco Mundial indicam que os juros globais devem permanecer acima de 3% até 2026, contra 1,5% em 2019. Para o Brasil, o desafio é duplo: combater a inflação sem asfixiar o crescimento, que não ultrapassa 2% ao ano desde 2022. Enquanto autoridades buscam equilíbrio, a população paga a conta: 33 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar, segundo o IBGE, em um cenário onde comer deixou de ser direito para virar privilégio.