Publicado em: 06/04/2025
Disputa entre EUA e China pelo controle dos mares
Uma nova frente de tensão global se abre entre China e Estados Unidos, desta vez pelas rotas comerciais marítimas — e, inesperadamente, o Brasil entra no tabuleiro como um jogador que pode virar a maré. A disputa, antes limitada ao duelo sino-americano, agora ganha um alerta vindo do próprio coração do agronegócio dos EUA: o crescimento competitivo do setor brasileiro ameaça o domínio comercial americano.
O plano de Trump contra o domínio chinês
A Casa Branca quer romper a hegemonia chinesa na indústria naval com uma estratégia de dois eixos: aplicar pesadas tarifas sobre navios construídos na China e ampliar subsídios para reerguer os estaleiros americanos. A medida visa pressionar o mundo a comprar embarcações fora da China, forçando uma reconfiguração do mercado global.
Mas o problema é mais profundo. Exportadores americanos alertam que isso pode se voltar contra os próprios EUA, sobretudo na agricultura. Ao encarecer o frete com taxas de até US$ 1,5 milhão por embarcação de mil toneladas ou mais, os custos de exportação aumentariam drasticamente — enquanto concorrentes como o Brasil continuariam navegando em águas mais calmas.
A dominância chinesa e o recuo americano
A China, em 2024, controlava 81% da fabricação mundial de navios porta-contêineres e 75% da frota de transporte de grãos. No setor de gás liquefeito, sua presença saltou para 48%. Essa supremacia logística levanta preocupações de segurança econômica para os EUA, que investigam as práticas chinesas por alegações de subsídios agressivos, barreiras comerciais e roubo de propriedade intelectual. A conclusão oficial do Escritório de Comércio dos EUA foi clara: o domínio chinês é “injusto e prejudicial à resiliência da cadeia de suprimentos americana”.
Em resposta, Donald Trump quer reagir com força. A proposta envolve penalidades que podem gerar até US$ 20 bilhões por ano em multas sobre navios chineses, além de uma ordem executiva com 18 medidas para tentar reviver a construção naval no país. Hoje, os EUA produzem menos de uma embarcação comercial de grande porte por ano — e quase exclusivamente para uso militar.
A ameaça do Brasil no horizonte americano
Durante audiências promovidas pelo governo dos EUA, os maiores opositores da medida não vieram de Pequim, mas do próprio meio rural americano. No dia 24 de março, Mike Koehne, fazendeiro de soja e membro da poderosa American Soybean Association (ASA), deu um recado direto ao Escritório de Comércio da Casa Branca: “a proposta ameaça nossa competitividade global”. Ele explicou que a soja que planta em Indiana percorre um caminho até o Golfo do México para, dali, seguir de navio para Japão e Taiwan. Um frete mais caro tornaria o produto americano menos atraente do que a soja brasileira — e, por tabela, abriria mais espaço para o Brasil no mercado mundial.
O impacto nos números e no campo americano
Não é pouca coisa: em 2024, os EUA exportaram mais de 106 milhões de toneladas métricas de produtos agrícolas a granel. A National Grain & Feed Association (NGFA), maior associação do setor nos EUA, se posicionou contra a proposta, dizendo que ela poderá eliminar metade da frota global usada para exportação de grãos americanos. Isso representaria, segundo o presidente da NGFA, Mike Seyfert, uma perda direta de competitividade nos mercados internacionais.
Hoje, dos cerca de 21 mil navios a granel em operação no mundo, quase 50% foram construídos na China. Apenas cinco vieram dos estaleiros dos EUA. Um número quase simbólico: 0,02% da frota global. Já os navios porta-contêineres, responsáveis por exportar cerca de US$ 9 bilhões em grãos e sementes oleaginosas, também sofreriam duramente o impacto das novas taxas.
As entidades agrícolas estimam que uma taxa adicional de US$ 1 milhão por navio elevaria o custo do frete entre US$ 15 e US$ 40 por tonelada, encarecendo não só o transporte, mas também insumos essenciais como fertilizantes e sementes. O risco é perder espaço para países como Brasil e Argentina, que não seriam afetados pelas mesmas tarifas.
Um superávit ameaçado
Hoje, os EUA ostentam um superávit comercial de US$ 65 bilhões em grãos e oleaginosas. Mas, como alertou Seyfert, sem isenções para o setor agrícola, isso pode evaporar. “Podemos ver uma queda significativa nas exportações de milho, soja e trigo. Isso não atinge só o exportador. Vai direto na veia do agricultor americano.”
Enquanto os gigantes brigam pelo leme do comércio mundial, o Brasil surge como uma ameaça silenciosa — mas poderosa. A eficiência logística e a produção em escala fazem do agro brasileiro uma opção cada vez mais atrativa. E, se o cenário se confirmar, pode ser que sejamos nós, aqui do Sul, a colher os frutos (e os grãos) dessa nova guerra marítima.