"Fungo Negro" Ataca no Ceará: Uma Seringa, Duas Mortes e um Enigma Médico - Pagenews

"Fungo Negro" Ataca no Ceará: Uma Seringa, Duas Mortes e um Enigma Médico

Publicado em: 22/04/2025

"Fungo Negro" Ataca no Ceará: Uma Seringa, Duas Mortes e um Enigma Médico
ouvir notícia
0:00

Uma sombra paira sobre o interior do Ceará. Dois casos fatais, até então inéditos no Brasil, desafiaram a medicina e trouxeram à tona um inimigo microscópico e silencioso: um fungo da ordem Mucorales, apelidado de "fungo negro". Mas a história por trás dessas perdas é ainda mais intrigante e levanta um alerta sobre práticas de saúde inesperadas.


No Vale do Jaguaribe, a cerca de 260 km de Fortaleza, um agricultor de 51 anos e uma técnica de enfermagem de 48 anos tiveram um destino trágico em 2023. A causa? Uma infecção devastadora causada por uma espécie rara e agressiva, a Saksenaea erythrospora. A confirmação veio somente no início deste ano, após análises minuciosas realizadas no Laboratório de Micologia da renomada USP.


A notícia, compartilhada em um seminário estadual de saúde, ecoou como um alerta na comunidade científica. Até então, esse fungo, conhecido por causar infecções de pele invasivas com necrose tecidual, havia sido registrado apenas em países distantes como Argentina, Colômbia e Austrália. Sua aparição no solo cearense é um enigma que os especialistas buscam desvendar.


Mas o que conectava essas duas vidas ceifadas pela mesma doença? A resposta, revelada por uma investigação minuciosa da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), é surpreendente e serve como um duro aprendizado: uma seringa compartilhada.


No fatídico 18 de abril, o agricultor, buscando alívio para seus sintomas em um ambiente insalubre – uma casa suja vizinha a um curral –, recebeu uma medicação intravenosa aplicada pela técnica de enfermagem. No mesmo dia, a profissional de saúde utilizou a mesma agulha para se automedicar com uma injeção intramuscular. O cenário, descrito como um local inadequado para qualquer procedimento médico, com poeira e proximidade com esterco animal, pode ter sido o palco da contaminação.


As consequências foram avassaladoras. O agricultor faleceu em poucas semanas, vítima de rabdomiólise e sepse, com manchas roxas e circulares por todo o corpo. A técnica de enfermagem seguiu um caminho semelhante, com lesões necrosantes que não responderam ao tratamento, culminando em sua morte 36 dias após os primeiros sintomas.


A causa básica de ambos os óbitos foi identificada como fasciíte necrosante, uma infecção rara e grave que destrói os tecidos sob a pele. A descoberta do compartilhamento da seringa lança luz sobre a possível via de contaminação, onde a barreira protetora da pele foi rompida, abrindo caminho para o fungo oportunista em um ambiente carregado de esporos.


Apesar da gravidade dos casos, a especialista da Sesa, Kamilla Carneiro, tranquiliza ao explicar que a mucormicose não é transmissível de pessoa para pessoa. O perigo reside na exposição de indivíduos com baixa imunidade a ambientes contaminados e, crucialmente neste caso, em práticas inseguras de administração de medicamentos.


A lição que emerge deste episódio sombrio no sertão cearense é clara: a segurança em procedimentos de saúde, mesmo os mais simples, é primordial. A investigação detalhada desses casos inéditos serve como um alerta e reforça a necessidade de qualificar ainda mais a rede de atendimento para identificar e responder a eventos de saúde incomuns. Em um mundo invisível de microrganismos, a prevenção e a atenção aos detalhes podem ser a linha tênue entre a vida e um desfecho trágico.

Mais Lidas