Publicado em: 16/03/2025
Enem 2024: Notas Históricas Baixas em Redação Acendem Alerta sobre Educação e Impacto das Redes Sociais
O Ministério da Educação (MEC) liberou nesta sexta-feira (14) os espelhos pedagógicos das redações do Enem 2024, documento que detalha a avaliação de cada competência dos participantes. A divulgação, disponível na Página do Participante, ocorre em um contexto preocupante: apenas 12 estudantes alcançaram a nota máxima (1.000 pontos) — o menor número da história do exame, segundo dados do Inep. O resultado reflete uma queda acentuada em comparação aos 53 textos nota mil de 2023 e aos 3.000 em 2020, levantando debates sobre a qualidade do ensino e o impacto das redes sociais no repertório crítico dos jovens.
Um retrato da crise educacional
Com 4,32 milhões de inscritos em 2024 (aumento de 9,95% frente a 2023), o Enem mantém seu papel como principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil, por meio de programas como Sisu e Prouni. Entretanto, os números recentes expõem desafios profundos:
19,4% dos participantes eram estudantes do 1º ou 2º ano do ensino médio ("treineiros");
Apenas 0,3% das redações atingiram a faixa de 900 a 1.000 pontos;
Mais de 70% das notas concentraram-se abaixo de 600 pontos, segundo levantamentos preliminares.
Especialistas atribuem o declínio a dois fatores principais: rigor inédito na correção e repertório sociocultural limitado entre os alunos, influenciado pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais em redes sociais. "Muitos jovens têm dificuldade de articular argumentos históricos ou citar autores clássicos, substituídos por influencers e narrativas fragmentadas", explica Ana Maria Bueno, doutora em Educação pela USP.
O tema da redação e suas implicações sociais
A proposta de 2024 — "Desafios para a valorização da herança africana no Brasil" — exigia conhecimento sobre desigualdades estruturais e cultura afro-brasileira. A baixa performance revela não apenas lacunas na formação, mas também a urgência de políticas antirracistas nas escolas. Dados do IBGE (2024) mostram que 56% das instituições públicas não possuem materiais didáticos específicos sobre história africana, apesar da lei 10.639/2003.
Competências em xeque
As redações são avaliadas em cinco competências (200 pontos cada), incluindo domínio da língua, proposta de intervenção e coerência. Relatórios do Inep apontam que 35% dos textos tiveram pontuação zerada ou abaixo de 400 devido a erros graves, como fuga ao tema e incoerência. Para Pedro Fernandes, coordenador do Curso Poliedro, "a pandemia agravou defasagens na escrita, mas a distração digital é um obstáculo adicional".
O que está em jogo?
Além do acesso à universidade, o Enem reflete a eficácia do ensino médio, etapa com evasão de 11% no Brasil, segundo o MEC. O aumento de inscrições de "treineiros" (24.723 em 2024) sugere que muitos jovens usam o exame para diagnosticar suas habilidades, mas os resultados indicam que o sistema educacional não os prepara adequadamente.
Caminhos para mudança
Enquanto o MEC promete ampliar o programa Mais Redação, com oficinas em escolas públicas, educadores defendem:
Integração de debates étnico-raciais no currículo;
Limites ao uso de redes sociais em salas de aula;
Investimento em formação docente em escrita crítica.
A nota do Enem ainda abre portas para universidades em Portugal, via convênios com o Inep. Porém, sem melhorias estruturais, o risco é que o exame, mais que um termômetro, se torne um símbolo das desigualdades que pretende combater.