Publicado em: 31/03/2025
Portugal em crise estrutural: escassez de mão de obra atinge 180 mil vagas e salários sobem a €180 mil
Enquanto Portugal registrava em 2023 um dos menores índices de desemprego da Europa (5,8%), segundo o INE, um paradoxo preocupa economistas: mais de 180 mil vagas permanecem abertas no país, com setores críticos paralisados pela falta de trabalhadores qualificados. O défice de profissionais já reduziu o PIB em 0,7% no primeiro trimestre de 2024, segundo o Banco de Portugal, expondo uma crise que ameaça a recuperação econômica pós-pandemia.
Setores em colapso: onde a falta de mão de obra paralisa Portugal
Construção civil: Com 32 mil vagas não preenchidas (dados de março/2024), o setor enfrenta perdas de €1,2 bilhão ao ano. A idade média dos trabalhadores é de 54 anos, e 40% das empresas adiam projetos por falta de pedreiros, eletricistas e engenheiros especializados.
Tecnologia da Informação (TI): Portugal precisa de 50 mil profissionais de TI até 2025, segundo a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. Vagas em cloud computing e inteligência artificial oferecem até €180 mil anuais, mas 67% das contratações dependem de recrutamento internacional.
Turismo e hospitalidade: O "motor" da economia portuguesa, responsável por 15% do PIB, tem 28 mil postos vagos. Restaurantes em Lisboa e Porto reduzem horários devido à escassez de cozinheiros e garçons, enquanto hotéis cancelam reservas por falta de recepcionistas bilíngues.
Salários sobem 23%: o preço da guerra por talentos
Empresas disputam profissionais com aumentos médios de 23% em 2023 (INE), ultrapassando a inflação de 4.1%. No TI, um arquiteto de sistemas cloud recebe até €15 mil/mês, enquanto engenheiros civis sênior atingem €8 mil/mês — valores impensáveis há cinco anos. Startups como a Unbabel e a Feedzai lideram a oferta de benefícios, incluindo ações e horários flexíveis.
Reforma ou requalificação: as saídas emergenciais
Com 34% da população em idade ativa sem qualificação além do ensino básico (dados Eurostat/2024), Portugal recorre a medidas urgentes:
PRO_MOV já capacitou 12 mil desempregados em TI e construção, com taxa de empregabilidade de 81%;
Multinacionais como a Nestlé investem €3 milhões/ano em academias internas para formar operários industriais;
18% das contratações no turismo são de reformados, que recebem formação acelerada em atendimento digital.
Vistos e imigração: a solução controversa
Para atrair estrangeiros, Portugal facilitou vistos:
Visto D1 (contrato prévio) teve 24 mil emissões em 2023, 61% para brasileiros e indianos;
Visto de procura de trabalho atrai 1,4 mil candidatos/mês, mas apenas 23% conseguem emprego em seis meses;
Brasileiros representam 40% dos novos residentes, com 18,5 mil vistos aprovados via VFS Global em 2023.
Desafios além dos salários: o que ameaça a solução
Especialistas alertam que altos salários não resolvem problemas estruturais: 44% dos imigrantes qualificados deixam Portugal em dois anos, citando custo de vida (especialmente habitação) e burocracia. Para Ana Fontoura Gouveia, economista-chefe do governo, "precisamos de uma revolução na educação técnica e na integração de imigrantes — ou seremos eternos reféns desta escassez".
Um futuro em reconstrução
Enquanto forma pedreiros em aulas noturnas e treina ex-baristas como analistas de dados, Portugal vive uma encruzilhada histórica. As vagas de €180 mil são sintoma de uma economia em transformação, mas também de décadas de desinvestimento em formação. O país ensina ao mundo que, sem mão de obra, nem mesmo salários dourados sustentam o progresso.
foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil