Publicado em: 24/03/2025
Ambulatório para pessoas trans é transferido em Fortaleza: avanço na saúde especializada, mas desafios persistem
O Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans), referência no Ceará, passa a funcionar a partir desta segunda-feira (24) no Hospital Universitário do Ceará (HUCE), no Itaperi, após seis anos no Hospital de Saúde Mental de Messejana. A mudança, reivindicada há anos pela comunidade LGBTQIAP+, visa ampliar o acesso a cuidados integrais, mas expõe desafios persistentes na saúde pública para populações vulneráveis.
Um marco com urgência social
Atualmente, 204 pacientes são atendidos pelo Sertrans, que oferece acompanhamento hormonal, psicológico, psiquiátrico e assistência social – um serviço vital em um país onde 30% das pessoas trans já sofreram discriminação em unidades de saúde, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). A transferência para o HUCE, que já opera especialidades como oncologia e urologia, permitirá exames de imagem e laboratoriais no mesmo local, além da adição de três clínicos gerais e mais um endocrinologista à equipe.
A ampliação do horário de funcionamento (agora de segunda a sexta, das 8h às 17h) é um avanço, já que antes o serviço operava apenas três dias por semana. No entanto, o acesso permanece condicionado a encaminhamento de outras unidades, como UPAs e postos – uma barreira crítica em um estado onde apenas 12% das cidades têm serviços especializados em saúde LGBTQIAP+, segundo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).
Demanda histórica vs. realidade estrutural
A mudança atende a um pleito antigo: pacientes relatavam estigma associado ao atendimento em um hospital psiquiátrico, contexto que reforçava estereótipos prejudiciais. "A saúde mental é parte do cuidado, mas não define nossa identidade. O novo espaço simboliza respeito", afirma Maria Silva (nome fictício), usuária do Sertrans há três anos.
Para especialistas, porém, o desafio vai além da infraestrutura. O Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans há 14 anos, com 1,3 mil mortes registradas entre 2018 e 2023, segundo a Antra. No Ceará, embora o estado tenha criado políticas pioneiras, como a Lei Estadual de Respeito ao Nome Social (2019), a expectativa de vida de travestis e mulheres trans ainda não ultrapassa 35 anos, ante a média nacional de 76,6.
O que falta para a equidade?
Enquanto o HUCE reforça seu papel como centro de excelência, organizações cobram:
Expansão do acesso direto, sem necessidade de encaminhamento;
Capacitação de profissionais da atenção básica para reduzir filas;
Inclusão de cirurgias de redesignação sexual no HUCE, hoje restritas a poucos hospitais no país.
"A transferência é um passo vital, mas precisamos de mais unidades como essa, especialmente no Interior, onde o preconceito e a falta de informação ainda isolam milhares", destaca João Pedro (nome fictício), assistente social que acompanha a população trans em Fortaleza.
Enquanto o novo Sertrans começa a operar, seu sucesso dependerá não apenas de recursos físicos, mas de um compromisso contínuo com a dignidade humana – um desafio que exige união entre gestão pública, sociedade civil e o próprio sistema de saúde.