Publicado em: 10/03/2025
Em meio a um cenário alarmante, dados recentes do Ministério Público do Ceará revelam que, em Fortaleza, mais de 50 situações de idosos “morando” em unidades de saúde – mesmo após a alta médica – foram identificadas. Entre esses casos, 58 pacientes constam na lista, embora sete tenham recebido alta efetiva e dois tenham falecido. Essa realidade, que afeta pessoas com idades entre 60 e 83 anos, reflete a vulnerabilidade social agravada pelo envelhecimento populacional e pela escassez de Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) públicas.
Um exemplo impactante é o de João*, de 74 anos, internado no Hospital Mental de Messejana (HSM) em dezembro de 2022, que, mesmo após receber alta médica, permaneceu na unidade por não ter para onde ir. Fora dos muros do hospital, o idoso não dispõe de acolhimento nem de vínculo familiar que lhe garanta uma saída digna.
Essa situação não se restringe apenas ao HSM. Idosos têm sido “alojados” também em outras unidades – como a Casa de Cuidados do Ceará, Gonzaguinhas da Barra do Ceará, José Walter, Frotinha da Parangaba, Hospitais da Mulher, Geral de Fortaleza (HGF), Estadual Leonardo Da Vinci (HELV), Instituto do Câncer do Ceará (ICC) e Santa Casa de Misericórdia – porque não há vagas em acolhimentos públicos ou possibilidade de reintegração familiar. Na Casa de Cuidados, por exemplo, 18 pacientes ocupam vagas temporárias que deveriam servir apenas para reabilitação, com permanência prevista de 50 a 60 dias, mas que se transformaram em moradia prolongada.
O promotor Alexandre Alcântara atribui esse quadro à combinação do envelhecimento populacional, da vulnerabilidade social e da quase inexistência de ILPIs – no Ceará, há apenas uma unidade estadual e nenhuma municipal em Fortaleza. Ele alerta que esse fenômeno pode inviabilizar o sistema de saúde estadual, já que os idosos permanecem ocupando leitos que poderiam ser destinados a pacientes em situação crítica, além de correrem maior risco de infecções.
Historicamente, em 2013, uma recomendação ao Governo do Estado para dobrar as vagas do Abrigo Olavo Bilac (o único abrigo público estadual para idosos) foi negada sob o argumento de que a responsabilidade deveria ser municipal. Atualmente, a desospitalização de idosos sem alta social, por ausência de responsáveis familiares, já teve início na rede hospitalar da capital. Segundo informações da Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), 15 idosos foram reintegrados às famílias de origem e 33 estão em processo de identificação familiar. Paralelamente, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) atua na busca ativa de familiares para viabilizar a alta social.
Do lado do Governo, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) informa que os idosos internados continuam sendo acompanhados pelas equipes assistenciais, embora a longa permanência impacte a rotatividade de leitos essenciais. Essa situação reforça a necessidade de integração entre o SUAS e o SUS, para que as demandas sociais e de saúde sejam atendidas de forma conjunta.
No aspecto legal, o abandono de idosos em hospitais e outras instituições configura crime, conforme o Estatuto da Pessoa Idosa (lei nº 10.741/2003). A advogada Patrícia Viana, presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da OAB/CE, enfatiza que a responsabilidade não recai somente sobre o Estado, mas também sobre a família – a qual não pode se eximir de seu papel protetivo, sob pena de incorrer em detenção de seis meses a três anos, além de multa.
Ainda, a fragilidade dos vínculos sociais e familiares – descrita por Elizio Loiola, presidente da Associação Cearense Pró-Idosos (Acepi) – agrava a situação. Em resposta, medidas emergenciais têm sido propostas. Em dezembro de 2024, a Prefeitura de Fortaleza assinou o Protocolo de Intenções e Contrato de Locação para a implantação da primeira ILPI pública municipal, com capacidade para acolher 100 idosos com diferentes níveis de dependência. Essa iniciativa, que representa um avanço importante e dados atualizados para 2025, é vista como crucial para aliviar a sobrecarga do sistema de saúde e oferecer um destino digno aos idosos abandonados.
Integrar políticas públicas por meio dos Centros de Referência e Assistência Social (CRAS) e dos Creas é fundamental para fortalecer os vínculos e garantir que, após a alta médica e social, esses pacientes retornem ao aconchego de suas famílias – ou recebam acolhimento adequado, caso contrário. Cada ente, Estado, Município e família, precisa assumir sua parcela de responsabilidade para proteger e apoiar esses idosos que tanto necessitam de cuidados e respeito.